terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Matéria da Folha de Londrina

O padre que é pop

Falando com exclusividade à FOLHA, o fenômeno musical Fábio de Melo rebate as críticas e fala da responsabilidade do sucesso

Folha de Londrina 03/02/2009


Fotos: Heliomara Marques



Cianorte - Um padre que se destaca pela jovialidade e a forma como se apresenta. Esse é o padre Fábio de Melo, 37 anos, que apesar de já estar no meio musical há mais de dez anos, tem impressionado o público religioso - e também chamado a atenção de céticos - com mais intensidade no último ano, depois que lançou seu novo CD ''Vida''. Em uma entrevista exclusiva à FOLHA minutos antes do show que realizou no domingo, em Cianorte (80 Km a leste de Maringá), ele falou sobre seu trabalho e também sobre a decepção com a maneira que alguns meios de comunicação têm divulgado seu trabalho e seu lado pessoal.

Feliz em passar por terras paranaenses o padre lembrou que na época de seminarista morou dois anos em Terra Boa (46 km ao norte de Campo Mourão) e foi lá que compôs todas as músicas do seu primeiro CD ''De Deus um Cantador''. ''Eu estava fazendo uma pós-graduação aqui e trabalhava no seminário. Na época eu estava me preparando para a Teologia. Tenho grandes amigos no Norte do Paraná, gosto muito daqui, tenho uma ligação muito forte'', comentou.

Mineiro de Formiga, padre Fábio contou que a sua família sempre foi religiosa e que a vontade de ser padre surgiu quando ainda era criança. Ele entrou no seminário aos 16 anos. Ordenado sacerdote em 2001, há dois anos ele se desvinculou da congregação Sagrado Coração de Jesus (SCJ) e passou para a Diocese de Taubaté.

Segundo ele, o que mais o motivou a deixar a congregação foi a ''incompatibilidade de projetos''. ''A vida religiosa me possibilitava uma certa liberdade; o problema eram as atribuições que eu tinha dentro da congregação, que eram muitas. Eu era professor universitário e a prioridade que a congregação esperava de mim não era a comunicação, mas sim o trabalho universitário. Então chegou um momento que eu preferi fazer a opção de ficar com a comunicação'', explicou.

''As pessoas às vezes me tratam muito mais como um artista que saiu do nada e não é isso. O que me evidencia hoje é o meu trabalho de evangelização, que vira notícia porque ele é diferente'', afirma padre Fábio, garantindo que seu objetivo é anunciar o Evangelho e nada mais. Segundo ele, o público que vai aos seus shows não tem uma religião definida. ''Quem é que está aqui nesse show? Temos evangélicos, céticos, católicos, enfim, isso é uma riqueza muito grande. O desdobramento dessa experiência é a fraternidade que surge, poder ajudar pessoas que precisam, isso tudo é o mais importante.''

Quanto às críticas que recebe por ser um padre fora dos padrões, ele é enfático e diz acreditar ser natural, principalmente quando os comentários partem de pessoas que não conhecem seu trabalho. ''Eu acho que todo mundo critica de acordo com o conhecimento que tem. Pode até parecer meio mercenário para uma pessoa que não acompanha o meu trabalho. Porém, não é a visão daqueles que me conhecem. Tornar-se público é sempre estar sob o foco de críticas positivas e negativas e eu sei que comigo não vai ser diferente."

Para o padre, ouvir depoimentos de fiéis que confessam ter mudado suas vidas por meio de sua palavra é o que o faz ter certeza da ''ternura do ofício''. Para ele, quanto mais o seu trabalho é divulgado, maior é a responsabilidade. ''Fiquei público porque sou padre, faço um trabalho de evangelização que hoje é diferente'', reforçou, para encerrar falando sobre a inspiração de sua religiosidade: ''O processo religioso é o despertar da sensibilidade pra olhar a vida de todo dia. Não tem nada de extraordinário acontecendo na nossa vida, mas tudo isso é sinal de Deus. Isso é bonito demais. Na descoberta da humanidade você descobre também o que é Divino e que não existe uma separação nisso''.


"Eu não sou um aventureiro"

Chateado com a forma com que parte da mídia destaca principalmente sua vida pessoal, padre Fábio disse à FOLHA não ter gostado da última edição da Revista Veja. ''Seus cabelos, provavelmente por inspiração do Espírito Santo, emitem reflexos dourados (...) usa calça justas, tem sobrancelhas delineadas (...)'', diz trecho da matéria.

''A reportagem é extremamente ruim do ponto de vista pessoal. O jornalista disse que 'o padre não apareceu agora, já tem 12 anos que ele faz esse trabalho', mas não aprofundou essa história de 12 anos, que não é por acaso. Eu não comecei a fazer o trabalho com a música no ano passado, não sou um aventureiro e levo a sério o que eu faço. O bom é ser levado a sério, independente se o outro gosta ou não'', enfatizou.

''Eu acho que os veículos estão num processo de conhecimento. Fico muito triste quando desrespeitam o público, quando uma reportagem diz que o público que vai ao show é um bando de mulheres estéricas. Isso não é verdade. É gente honesta, com fé, num processo de crescimento e gente que realmente faz uma experiência de Deus. Falar mal de mim é até natural, mas falar mal do público é uma coisa que me deixa muito triste'', finalizou.


Recinto lotado em Cianorte

Com início por volta das 20h30, o show que misturou músicas e pregação terminou por volta das 23 horas, num fervoroso clima de culto religioso, com a música ''Filho do Céu''. A diversidade de gerações no recinto chamava a atenção. A reportagem encontrou idosos, jovens, adultos e crianças entre o público de mais de duas mil pessoas de variadas cidades do Paraná, de outros estados e até de países vizinhos.

Os fiéis que lotaram o recinto pagaram R$ 20 (ingresso normal) e R$ 60 (área vip). A família do comerciante Lauro Kumagae, de Arapongas (Norte), chegou ao Empório Brasil, onde aconteceu o evento, antes das 18 horas para o ''grande momento'' que estava marcado para as 20 horas. ''Ele é um padre da nossa geração, que nos mostra o quanto é bom termos Deus mais presente na nossa vida e não procurarmos nos preocupar com a presença Dele só nos momentos de dificuldades'', comentou Kumagae, acompanhado da mulher Fátima e do filho Tiago, 10 anos.

Com o semblante cansado, porém bastante simpático com a platéia, o padre proporcionou momentos de emoção, principalmente quando cantou ''Tudo é do Pai'', segunda faixa do CD Vida. O público, que acompanhou o religioso em praticamente todas as músicas, tirava fotos e acenava para o cantor. Um grupo de jovens paraguaios pedia uma bênção por meio de uma grande faixa pintada com letras garrafais. Ele leu a mensagem e brincou: ''Não são falsificados não, né?'' Melo recebeu uma bandeira do país vizinho jogada pelos jovens.

A bancária aposentada Sonia Sant'Ana rodou cerca de 400 quilômetros para poder ver de perto o ídolo, que teve papel fundamental na sua transformação e melhora moral. ''Moro em Marília (SP), mas já fui até pra Aracaju (SE) para vê-lo pregar. Há pouco mais de dois anos perdi minha mãe, passei por problemas sérios de saúde e foi por meio do programa dele na Canção Nova que eu me senti reabastecida e fortalecida pra enfrentar aquele momento difícil'', comentou.

Os shows do padre Fábio têm parte da renda destinada às entidades locais. Em Cianorte, uma porcentagem foi encaminhada à Cáritas Internacional. Além disso, parte do dinheiro das vendas dos livros e CDs é destinado à ONG Apoio Solidário de Taubaté, Diocese de Taubaté e Canção Nova.


"A Igreja tem que utilizar desses meios para a evangelização"

O professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Carlos Braile, lembra que já no final da década de 1970 o papa Paulo VI estimulava os cristãos a usar todos os meios de comunicação possíveis para a evangelização. Na sua opinião, não há nada de errado os padres utilizarem a mídia para levar às pessoas os ensinamentos de Jesus, ainda que sejam chamados de 'padres pops'.

''A Igreja tem que utilizar desses meios para a evangelização. Mostrar padres jovens e bonitos é até mesmo um estímulo para a vocação. Se a beleza e a juventude de um padre for uma das formas de levar as pessoas até Deus, não há problema algum'', comentou.

O professor explicou que o padre diocesano, casos dos padres Fábio e Marcelo Rossi, é um religioso que recebe o sacramento da ordem porém não faz parte de uma comunidade específica, assim como os franciscanos, claretianos etc, o que dá a eles mais liberdade de atuarem com a mídia. ''Quem responde pelo padre diocesano, ou seja, quem tem autoridade de alertar ou até mesmo suspender o ministério de um padre diocesano é o bispo. Dessa forma eles podem atuar como pessoas comuns, inclusive podem até ter bens. A questão é como eles fazem o uso desses bens'', comentou.

Na opinião do professor, o padre Fábio é uma pessoa preparada e segura no que faz. ''Ele é uma pessoa estudada e tem muita facilidade em se comunicar, o que é muito bom. Ele está sendo uma figura importante para levar ao público católico o Evangelho de uma forma bonita e verdadeira'', finalizou.

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